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Ao lado do novo museu, o Knight Theater fica no prédio à esquerda |
Bruno
estava rouco das vomitadas dos dias anteriores devido à dieta bulímica imposta por um rota-virus, e bravo porque marquei errado o endereço do teatro no GPS. Eu também não estava das mais amigáveis: poucas coisas me irritam mais do que 1) levar bronca de uma voz sufocada e rouca e 2) ter que ficar teclando no celular com o carro em movimento. Depois
de nos perdermos nas vielas de uptown Charlotte, entramos num estacionamento público nos subterrâneos da cidade. Five bucks. Saímos do carro, entramos em um corredor branco, pegamos um elevador e emergimos à
superfície. Lá em cima, a Queen City iluminada. Esvaziava-se de gente uma praça hypster onde um evento provavelmente acabara de acabar. E eu impaciente e apressada, de
vestido vermelho, bota e cinto pretos, estava menos para uma Panda produzida que para um Papai Noel fora de
época. Sem ideia de como a noite iria ser bowa.
Chegando
lá...
Compramos
nossos tickets com desconto universitário: dezessete dólares cada. Que
pechincha. Subimos a escada para o mezanino, Bruno comprou água, eu vinho. Nove
dólares, mais um de tip. E
devidamente abastecidos, fomos conduzidos aos nossos assentos, bem no meio da
fila F.
A banda
de abertura – bem ruinzinha por sinal – já terminava sua apresentação (muito meia
boca). Que desnecessário dizer, mas direi mesmo assim, mais por maldade que por
inveja: beirava o patético. Tradicionalmente, o som das bandas de abertura dos
grandes shows é um pequeno fiasco. Agora eleve esta máxima ao infinito. Pois
então. O som daquela banda era assim. Soava mais como um insulto.
Meia hora
depois tudo escureceu e o teatro inteiro aplaudiu de pé. O palco era outro.
Bruto. E do mezanino, mais parecia uma caixinha mágica de música. Mas que
mágica. E que música!
A banda
de apoio entra no palco: um tecladista tipo Tim Maia; um baterista
enorme – e como diria o Rafa e o Caetano – de peso; um baixista virtuoso de headphone e um guitarrista pra lá de
charmoso com chapéu Panamá. Cada qual se apoderou de seu instrumento, e com a sorte e a calma solene de quem acorda e pode ficar na cama, tocaram os primeiros acordes.
Polca Dot Blues
Os quatro
músicos negros mais pareciam personagens de gibi. No meio do palco o canhão de
luz iluminava um vazio sobre o tapete preto com bolinhas brancas. E nos
acordes suspensos e rufadas de bateria, eis que surge o homem. De bonezinho e calça branca, camisa Polka
Dots, stratocaster, e o blues. Hell yeah. He got the Blues.
Uma hora
e meia cravada de sonzeira inacreditável. Que voz! Que presença de palco! E de
espírito! Aliás, o teatro virou praticamente uma encruzilhada.
Todos os espíritos do Blues baixaram naquele show. Muddy Waters, Jimmy Hendrix,
Albert King. Lousiana Blues, Chicago Blues. O verdadeiro e inimitável blues. E
haja adjetivo inútil. Mas let’s just say Buddy Guy Blues. A uma certa altura o cara sai do palco e aparece no auditório, tocando e andando no meio do público, parando pra sorrir e interagir com as pessoas, que lhe estendiam os abraços e lhe davam leves tapinhas nas costas.
Setenta e sete anos...
E o diabo
no corpo. I got the bluuuuuueeeeess... pam pam (acompanhados de movimentos
frenéticos do quadril penetrando a guitarra)! Ooohhh, yeeaaah, I’ve GOT the
bluuuuuueeeessss.... pam . . . pam! Mais duas investidas eróticas no
instrumento. E de repente a banda silencia, e toca tão baixo, and so smooth, que entre um sussurro e outro dava pra ouvir o chiado que vinha do paredão de amplificadores no palco. E frases
intermitentes surgiam da plateia, salpicando interjeições americanizadas.
Intervenções características de blues de cabaré: oh yeah baby! A-ham! Come on! Wooohoo.
Tá louco. O velho não precisa de viagra. E esses americanos são um povo muito
característico.
Seventy
seven years young!
Entediado,
atrevido, endiabrado, dócil, político, engajado, impertinente, sensato,
solícito, explícito, irônico, sarcástico, lacônico, velhinho, porreta, e sempre vivo,
sempre genial. Quantas facetas e quantas histórias. E quanto talento e
competência sonora. Buddy Guy no hall dos melhores shows. Sem dúvidas. Junto
com The Who, Ray Davies, Stones, B.B. King, Bob Dylan, Paul McCartney, EricClapton... inesquecível! E tão viável... se fosse no Brasil quanto custaria a brincadeira? A gente era infeliz e não sabia. Amanhã tem show em Greensboro, duas horas daqui. Que
vontade de vê-lo de novo! Bruno vamos? Prometo que dessa vez boto o endereço certo no GPS.
4 comentários:
Pandinha linda
Que sorte que vocês tem mesmo! Poder assistir ao "velho" Buddy por apenas 17 doletas não é para qualquer um. Eu já fui 3 vezes no bar dele em Chicago, mas nunca coincidiu com noite dele tocando - sempre convidados, ou até mesmo open mike. E gastando bem mais do que os $17 de vocês... Em todo caso, só o ambiente já vale.
E o Bruno? Confirmado que foi rota virus mesmo? Se já está brigando assim quer dizer que já está bom de novo...
Beijos do Sogrão, aqui de Assis, terra de São Francisco!
Sim, sogrão, mas a sorte maior foi o Bruno ter melhorado a tempo de estarmos aptos a tal façanha!
E veja que ignorância a minha, quando estive em Chicago há dois anos atrás, desconhecia a existência desse bar... próxima vez certamente vou tomar umas lá. E quem sabe até cantar no open mic! hahaha
Beijos
Não sei direito o que acontece quando leio seu Diário de Bordo. Parece que meu chakra cardíado/anahata dá um sorriso como daquele Buda sorridente,sabe? Eu saio de Utinga e vou pro mundão de meudeus! Gracias, professora linda!
Oh, Wrouzie!
E quem disse que precisamos sair de Utinga pra desbravar o mundo? Quem tem imaginacao, tem tudo!
Beijos com saudades e sem acentos.
Pandala
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