sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Artemísia Vulgaris ou Mugworth: A Força Mágica das Ervas




Eu ouvi falar desse matinho pela primeira vez através de uma amiga que tive, a Suzana. Su se foi muito cedo, morreu no leito de um hospital público em Curitiba após complicações respiratórias causadas por recorrentes pneumonias. Por pouco não foi sepultada como indigente… demorou para a mãe dela saber do paradeiro da filha.


Su era uma menina dócil, silenciosa e com tendências suicidas. Por ser diferente, era taxada de "doida." Filha de imigrantes japoneses, Su cresceu com a confusão de uma identidade hifenizada. Era brasileira, mas também era japonesa. Ou talvez não fosse brasileira nem japonesa. O pai da Su era engenheiro agrônomo, lavrador, e faleceu alguns anos antes que ela. A mãe era doente, depressiva, acumuladora, e nunca aprendeu Português. Su via na mãe a origem de todos os males e frustrações de sua vida. Às vezes Suzana escrevia no face aquele textão raivoso, um desabafo que ninguém entendia bem o que era, nem por quê ou para quem ela estava falando, mas eu sim sabia o que era, de onde vinha e a quem ela estava se referindo.


Minha mãe um dia notou e disse, nossa, Xanda, você viu o que aquela sua amiga "japonesa"(aspas minhas) postou hoje no feice? Por que ela é assim? Ela é doidinha né? Doidinha, sim, quem não é… Mas antes de ser doida ela era uma mulher de mente brilhante, meiga, boa, amiga, uma das poucas que sempre foi me visitar toda vez que eu fui ao Brasil.


Durante essas visitas a gente falava bem e mal do mundo, dava muita risada e cantava David Bowie no jardim e fazia planos para o futuro tão incerto e sem esperanças que ela tinha. Acho que era por isso que a Su gostava de mim. Eu enchia a vida dela de música e de possibilidades fantásticas. Bolsas de estudo no Japão. Projetos culturais de curta metragem. Livros de haikai. Tour ecológica nos bairros de Curitiba para conhecer as ervas daninhas que eram boas pra saúde. Su gostava de arte, literatura, cinema, de ler e de escrever poesias e de plantar e conhecer as propriedades medicinais das plantas.


Um dia ela me disse que tinha muita Artemisia vulgaris no caminho entre o Barigui e a casa dos meus sogros e que a Artemísia era ótima para cólicas menstruais. No mesmo dia ou semana em que ela me disse isso, um outro amigo meio "xamã" publicou no Facebook sobre a Artemísia, e como ela vinha sendo usada na medicina popular e tradicional do mundo todo por séculos e séculos. Era a erva fundamental para o trato do útero, para descer ou regular a menstruação, ou para quaisquer inflamações ou doenças femininas tipo cistite, vaginite, ovário policístico, etc.


Artemísia é sim uma erva feminina, o próprio nome da planta vem de Artemis, a grande deusa grega da guerra. E a danada é daninha, dá em todo lugar, e ainda tem efeitos psicotrópicos e mágicos, ajuda a ter insights, "sonhos vívidos," e a se lembrar dos sonhos. Por outro lado, ela é uma erva extremamente tóxica e deve ser consumida com parcimônia. Grávidas e lactantes não podem ingeri-la, nem em pequenas quantidades. O resto dos mortais devem evitar seu uso prolongado. Achei tão interessante essa coincidência, de ler mais sobre algo que acabara de saber da existência, que marquei a Su nessa postagem.


Votlando para os EUA eu busquei saber se em Atlanta tinha artemísia, ou mugworth, mas nunca achei a erva, nem naquelas prateleiras de chás e temperos a granel que tem nos mercados internacionais daqui.


Porém, eis que ontem encontrei a Mugworth numa lojinha do lado de casa, Health Unlimited. Na hora peguei um saquinho, enchi com a erva, voltei pra casa, fiz o chá. Tomei com mel porque ele é bem amarguinho. Lembrei com carinho da Su. Sorri sozinha no quintal, não estava frio, tinha um solzinho bom e eu aproveitei pra lagartear por ali. Eu e Su sempre nos sentávamos na grama do quintal dos meus sogros, sob sol do inverno curitibano, pra meditar sobre a vida e as nuvens… senti que o vaporzinho do chá de artemísia me soprava o espírito da Su. Mandei boas vibes pra ela e pro universo.


Minhas aftas (estou com 4) pararam de doer na hora e minha garganta também melhorou imediatamente. As plantas curam. (Minha mãe tinha um livro com esse título.) De noite eu tive um sonho muito doido… que eu estava no aniversário do Flávio Bastos, mais conhecido como Júpiter Maçã. A festa era tipo numa chácara, que podia ser a casa dele ou o Bar do Morro em Sapiranga, não sei, quase não havia móveis. As pessoas começaram a chegar, tinha gente de todas as tribos, sexos, idades. Eu aparentemente era amigona do Jupiter, apesar de na vida real a gente ter se cruzado uma ou duas vezes e nossas interações sido altamente tóxicas e etílicas. No sonho nosso papo era aberto, artístico e intelectual, sobre a estética modernista, sessentista, e psicodélica do Sétima Efervescência.


Na festa também estavam Bruno e o baby, a minha mãe e a minha irmã, uns índios guerreiros, com máscaras, de corpos pintados, e umas meninas todas de glitter e tule, vestidos espalhafatosos, outras de roupa mais simples, como eu. Era um happening muito doido com comida e bebida -- uma hora a cerveja acabou e eu pedi pra um garçom trazer mais, eu ia colaborar pra pagar as beras mas meus dólares eram falsos. Tive que pagar com cartão.


O Bruno foi convidado a participar de uma dança em que ele se deitava em cima de uma garota e depois vinha outra por cima, e a coreografia era um misto de dança rastejante com ilusionismo, de repente todos sumiam. Eu fiquei com ciúmes mas fingi que estava de boa… saí da muvuca meio puta, era noite, uma fina neblina embaçava a luz do poste e carregava de brisa gelada os ares dos pampas onde a gente fumava. Amanhã faz sol e céu azul, eu disse. E o Flávio corrigiu. "Não, não... aqui não funciona assim. Aqui chove o tempo todo," e notei que a neblina era na verdade uma chuva fina que caía, um véu constante que deixava a noite branca e misteriosa, mas não menos escura nem menos iluminada.


A arte da artemísia é essa de nos reconectar com seres guerreiros, seja Júpiter e ou seja Su, ambos kamikasis, ambos Samurais na sombra de bonsais, habitantes de outras esferas muito acima de nossa razão, eles que sempre conheceram e compreenderam, como nenhum de nós, a pequenice da vida diante dessa louca imensidão do cosmos.

3 comentários:

Ivo disse...

Que incrível encontrar a erva por aí! E melor ainda, os seus efeitos benéficos!
Beijos do Ivovô

Ivo disse...

Esqueci de dizer...
Que peninha pela Su, realmente una mulher ímpar!

Fátima Zagonel disse...

Sempre olho o violão da Su com um aperto no coração...é como se um pouco dela tenha ficado por aqui. Acho que vou tirar o pó, ou mofo dele hoje em homenagem a ela. Você devia escrever mais, seus textos são deliciosos...beijo no coração. Sogronis